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quinta-feira, 21 de maio de 2015

Aluada

Dizem que ela era apenas uma menina, de olhos grandes, cabelos pretos, como à noite, assustada como uma índia, como um bicho acuado, quando foi obrigada a aceitar o matrimônio, ela que vivia solta, descalça a correr pelas campinas, viu seu mundo mudar e naquele dia vestida de branco lá foi ela para o casamento, como ovelha vai para o matadouro, mas não podia opinar, nem escolher, não era dona do seu corpo, nem de sua vontade, foi o que ouviu da mãe, mas ela não queria aceitar aquele destino imposto, pois dentro dela existia uma força que a impulsionava a pensar diferente, a fazer diferente e mudar o seu destino.

Então no momento exato de ir ao altar ou ao sacrifício, alguma coisa falou mais forte dentro dela, como um grito desesperado querendo saí.  Ninguém entendeu o gesto desesperado da moça que fugiu, o noivo não mais a quis e todos na cidade passaram a falar muito mal dela. Quem queria casar com uma doida que fugiu no dia do casamento? Diziam que ela era “aluada” e que em noite de lua cheia ela andava pela mata uivando como uma loba.

A família que morria de vergonha depois do trágico acontecimento no dia do casamento que não ocorreu, enxotou-a de casa, ela então abandonada a própria sorte teve que cai no mundo e se virar, trabalhou em lavoura de café e outros plantios, mas sempre conservando a sua integridade física e espiritual e assim ela foi crescendo como mulher, como ser humano, mesmo com tanto sofrimento era dona do seu destino e escolheu que seu corpo só seria tocado por quem ela quisesse e escolhesse.

Toda noite de lua cheia se ouviam uivos vindos das bandas da casa da “aluada”, que ficava um pouco afastada da cidade já na estrada da mata, e todos comentavam, faziam chacota, diziam que era o dia em que suas regras desciam e ela ficava doida, “aluada”, mas ela parecia viver em outro mundo, alheia a todo tipo de comentários, medíocres, pequenos, vivia no mundo da lua.

 E a vida ia transcorrendo e todos já acostumados àquela criatura estranha “diferente”. Até que um dia a estranha criatura encontrou um outro ser que não olhava para ela com estranhamento, mas sim com encantamento e assim encantados os dois se apaixonaram e ela enfim deixou que alguém tocasse seu corpo, como um peregrino que adentra um templo que há muito estava fechado, guardando mistérios para só quem soubesse desvendá-los, como  a escrita na porta da esfinge “decifra-me ou te devoro” e a aluada enfim entregou a chave que abria os seus segredos para o peregrino que enfim encontrou o seu destino e ela o dela, o destino que ela escolheu.

Rosângela Fonseca do Nascimento


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