por Rosângela Fonseca
Saí de minha terra natal um pequeno lugarejo aos nove anos de idade e fui morar em
outra cidadezinha: Bom Sossego; o motivo da mudança foi à separação dos meus pais.
Meu pai deixou minha mãe para viver com outra mulher, já a minha mãe, nunca mais
quis saber de outro homem em sua vida:
- Homem pra quê? Para me fazer sofrer novamente? Não quero mais!
Era o que ela sempre dizia.
A cidade de Bom Sossego, como o próprio nome sugere era um lugar muito sossegado,
a animação ficava por conta das feiras dos sábados, das matinês das boates de Baleia e
Nicomedio aos domingos e as micaretas todos os anos no mês de abril.
A feira era um lugar interessante com figuras curiosas, como era o caso de uma garota
que se chamava Marina – era uma dessas vendedoras natas, o pai dela tinha uma barraca
de sapatos na feira, todo sábado lá estava ela na barraca de calçados ajudando o pai nas
vendas, sempre muito animada, pendurava sandálias no pescoço e sai pela feira gritando
as promoções do dia: - Ai freguesa, sandálias bonitas e baratas! Todos os modelos que
você quiser!
Eram realmente muitos os modelos das sandálias da barraca de Marina. O que nos
chamava atenção na garota durante a semana no colégio, era justamente a variedade de
pares de sandálias que ela ia para escola, eu e outras coleginhas ficávamos sonhando
com pelo ou menos um par daqueles chinelos, já que a maioria de nós só tinha um par
de sapatos para ir à escola, sair, festas, batizados e outros eventos. Descobrimos depois
que a menina usava as sandálias uma vez e depois as limpava e colocava novamente na
banca para vender. De vez em quando chegava um cliente reclamando de defeitos ou
que as sandálias quebraram com tão pouco tempo de uso.
Por sua casa ficar na praça da cidade e na frente da casa era a loja do pai dela, todas as
meninas do Colégio sempre passavam por lá, para saber quais eram as novas tendências
da moda de calçados, mesmo tendo dúvidas quanto a qualidade do produto. Quem não
gostava muito de nossas visitas era a mãe de Marina: D. Ermenegilda era uma mulher
rabugenta, que estava sempre de mau humor, roupas sujas e cabelos desgrenhados e era
conhecida na cidade por sua fama de “porca”. Diziam que ela pegava água no rio
Limoeiro, nessa época já poluído pelo esgoto da cidade, para beber, cozinhar e lavar
pratos; motivo pelo qual não tomávamos nem água na casa dela. Vivia reclamando:
“Meninas assanhadas que não tinham o que fazer, podiam ir procurar uma lavagem de
roupa”. A resmungona detestava aquele “frivião” de gente entrando e saindo do seu
domicílio e sempre éramos enxotadas por ela que não queria sua filha andando em más
companhias, afinal a sua inocente filhinha era uma moça evangélica que adorava cantar
hinos de louvores na Igreja e depois beijar escondido atrás do muro, detalhe que D.
Ermenegilda desconhecia. Dizia que filha dela só namorava pra casar, não tinha esta
história de ficar de amasso no banco da praça não; uma hora o diabo podia atentar e
ai....
Apesar dos xingamentos da mão rabugenta, Marina nunca deixou de sair com a turma
da escola, gostávamos de ir para um sítio de um senhor que vendia canas, depois íamos
para uma pequena cachoeira que tinha nos arredores da cidade, escondido é claro! A
mãe não podia nem sonhar, que íamos para lá, se soubesse arrancava o couro da coitada
no cinto, aliás, todos nós levávamos um corretivo, quando éramos pegas fazendo
alguma estripulia.
Outro dia, de volta a Bom Sossego, me sentei no banco da praça e fiquei olhando a casa
que era de Marina, que depois que os pais dela morreram foi vendida e tornou-se um
prédio e hoje está abandonado, fiquei olhando e me bateu uma nostalgia daquele tempo,
fiquei lembrando de todas nossas travessuras e me veio à lembrança também os
resmungos e broncas de D. Ermenegilda que ainda hoje parecem ecoar do velho prédio
abandonado, afastando todos aqueles que queiram se aproximar de sua casa.
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