Contos, prosas, poesias e outras palavras.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

RELEVÂNCIA DE UMA POESIA: O REDESCOBRIMENTO DO BRASIL


   Embora a amostragem utilizada seja restrita, constituindo-se em apenas um  fragmento do que se produz hoje no Brasil como poesia negra, percebe-se a relevância desses poetas, os quais realizam um trabalho complexo e diversificado, ocupando espaços em todas as vertentes poéticas, desde a poesia mais doce e emotiva dos que cultivam a lírica sentimental, até o exercício da forma depurada. Embora não se constituam em uma escola, nem tampouco em um movimento organizado de vanguarda,  os poetas negros possuem pontos de convergência que os une, embora sejam tão diversos em sua produção estética individual. A questão do negro, em suas múltiplas implicações (culturais, políticas, econômicas, lingüísticas, educacionais, religiosas, psicológicas, estéticas, etc.) é esse elo que aproxima esses poetas, embora cada um possa ter suas convicções e estratégias para a condução da luta.
   Reafirmando uma  característica da literatura  contemporânea, a poesia negra está ligada visceralmente à vida. Isto se  inicia na linguagem, com forte apelo da língua natural, e continua  na temática, retirada da vivência cotidiana. É uma poesia que se coloca, dentre outras coisas, como instrumento de luta, a serviço de uma causa. Convém pontuar que toda esta imensa poesia, contida em um dos mais importantes segmentos da população brasileira estava, até há pouco, silenciada. O negro brasileiro se expressava através dos esportes, da música e da dança. Mas a poesia considerada “culta” pertencia ao branco ( assim como ocorria nos esportes: o tênis, o golf, por exemplo, não eram  costumeiramente praticados por negros. Atualmente, existem campeões negros em todos os esportes).
   Percebe-se, a partir da análise de poetas como José Carlos Limeira e Éle Semog, um aperfeiçoamento no tratamento da linguagem, comparando-se os trabalhos das décadas de setenta e oitenta e a produção mais recente. Em ambos os casos, uma poesia inicialmente direta e engajada se diversifica temática e lingüísticamente, refinando progressivamente a linguagem, para revelar a autenticidade e as potencialidades do sujeito estético. Por outro lado, na poesia de Jônathas Conceição nota-se, desde o princípio, uma engenhosidade no tratamento da forma e uma consciência estética. Com o tempo, o poeta apenas torna a sua linguagem mais despojada e essencial.
   Ainda que a poesia negra contemporânea mantenha-se ( ou seja mantida?) à margem do que se considera como a “literatura oficial” da Brasil, percebe-se um interesse cada vez maior por essa literatura, por parte de estudiosos e do público leitor em geral. Poesia motivada pela força do sonho da igualdade, alimentada pela riqueza cultural do povo afro-brasileiro, essa arte traz uma nova perspectiva para se ver o Brasil. É como se o país estivesse sendo finalmente desencoberto dos seus sutis véus de intolerância e mesmo de  violência racial (camuflada pelos instrumentos de abrandamento das tensões  sociais e raciais). Este é o segundo e mais veraz descobrimento (des-cobrimento: colocar à mostra  o que estava coberto) do Brasil. 
   Revelando o próprio negro a poesia finalmente revela o Brasil. O negro agora não é mais uma pintura estática, mas o sujeito e o objeto de sua própria poesia. Com base no estudo desta produção poética, percebe-se uma tendência de expansão ilimitada para o poeta negro, nos próximos anos. Quando este ciclo se completar, a literatura brasileira terá resgatado parte da dívida estética para com a poesia do povo negro.

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