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domingo, 26 de março de 2017

No meu tempo



Eu sou do tempo em que na Semana Santa se pedia a benção à mãe e ao pai de joelhos, dentro de casa não podia falar alto, palavrão nem pensar.  O bom é que a gente ficava toda a semana sem apanhar, mas quando chegava sábado de aleluia, ai ai, o coro comia. E toda sexta-feira santa lá ia eu almoçar na casa de Maria de Gaspar (minha mãe de leite, Gaspar era o nome do marido dela), eu adorava, porque além de ser muito paparicada por toda a família de mãe Maria, depois do almoço eu gostava de ir ao chafariz que ficava ao lado da casa dela, para ouvi as conversas das mulheres que iam lá para lavar pratos, pois muitas não tinham água encanada em casa, e outras porque adorava ficar jogando conversa fora mesmo. E era cada história que saia, ai, ai. Semana Santa então, “Ave Maria”! Era cada história, lembro de uma vez que uma lavadeira contou a seguinte história: “Que numa sexta-feira santa, uma mulher estava lavando pratos e xingou o nome da “pelada” (palavrão) e dai no mesmo instante à água ficou coberta  de sangue”.  Verdade ou não eu acreditava e morria de medo, essa semana santa então era coisa para se respeitar mesmo.
 Lá em Gurupá-Mirim, minha cidade natal, tinha um senhor que segundo a lenda (a língua do povo) virava lobisomem na sexta-feira santa, nossa eu tinha pavor a ele, e para piorar a situação, quando eu passava em frente a casa dele,  que ficava numa ladeira, ele me chamava de minha netinha, meu Deus eu ficava imaginando aquele homem virando lobisomem, então sai em disparada ladeira a baixo, corria para casa apavorada, minha imaginação sempre foi fértil ne. Era tanta história que o povo contava na semana santa e o ano inteiro, porque cidade pequena sabe como é, ainda mais em outros tempos. Histórias de assombração, pai da mata, a Iara que morava no rio....História de pescador então era um monte,  meu pai quando saia para pescar em noite de lua cheia, chegava com o caçuá cheio de peixes e muitas histórias para contar e também muitos carrapatos para eu tirar.
Sinto falta de hoje em dia as pessoas não darem mais tanta importância às coisas mais simples, as crendices, aos sinais da natureza, semana santa hoje em dia tornou-se mais uma data comercial para as pessoas comparem muita comida e comprar ovos de pascoa caríssimos para as crianças, (que as mães se sentem obrigadas a comprar, tamanho é o apelo midiático e do comércio) crianças que só ouvem falar de um coelho de páscoa, muitas nem sabem do real significado da semana santa, muito menos ouvem falar de histórias de rios, Iaras, pai da mata. Entendo que os tempos mudaram que a tecnologia avançou, as cidades cresceram e os costumes sãos outros, mas tem coisa que eu ainda sinto falta de; Como eram no meu tempo.

 Rosangela Nascimento



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